sexta-feira, março 23, 2007

Sózinho...

Emudecia cada vez que gritavam com ele...era sempre a mesma lengalenga...o dinheiro, a casa, os sogros, o gato, o chefe que não gostava dele...as responsabilidades...na verdade tudo era motivo para ela lhe arranjar uma discussão. E os filhos a ouvirem...
Tinha-se tornado um problema este casamento. Ela era um problema para ele e ele só lhe apetecia desaparecer da face da Terra ou arranjar coragem para a trair ou mesmo para lhe elevar a voz e responder à letra. Sim, estava cansado de não conseguir enfrentar o medo que tinha dela e dos seus acesso de fúria que nunca sabia como poderiam acabar...
No início, não tinha sido assim. Ela era fantástica, cheia de paciência e carinho. Mas, infelizmente os anos tinham passado e pouco a pouco, ela tinha-se tranformado, cogitava ele...Mas será que ela se tinha transformado ou será que tinha sido sempre assim e tinha apenas fingido nos primeiros tempos ser o que não era? Sabia, que nunca teria resposta a estas e tantas outras interrogações que o assolavam, dia após dia, noite após noite...
Qualquer dia, depois dos constantes insultos, só lhe faltava ela bater-lhe... Ouvia sempre falar da violência conjugal que as mulheres passavam, mas nunca tinha ouvido casos como o seu...
Sou um fraco, um cobarde, pensava para os seus botões sem conseguir ter força para acabar com este suplicío quotidiano.
Partir era o seu desejo, mas como deixar os filhos para trás? E levá-los e privá-los da mãe? Não seria capaz, pois bem sabia o que doía viver com pais separados, que se degladiavam lutando pelos filhos como forma de atingir o outro...e bem sabia como ela nunca o perdoaria por semelhante acto e como o faria pagar por uma humilhação destas...
Os anos passaram e ele envelheceu ali ao lado dela, aniquilando-se, em nome dos filhos que entretanto cresceram, sem respeito por ele e que estavam de partida. Estava feliz por eles, mas sentia-se profundamente sózinho, tão sózinho que lhe doía alma cada vez que pensava no que tinha feito da sua vida.
E um dia, ao receber um email da sua primeira namorada que fazia anos que não via, pôs um disco a tocar do Caetano Veloso, colocou os auscultadores e pensando no silêncio da noite, no seu antes, agora e depois, fechou os olhos e sorriu...e voou para longe, para muito longe...para o pé daquela luz branca que o chamava e que o fazia sentir acompanhado...
Ps- Post dedicado a todas as pessoas que são vitímas de maus tratos, abusos verbais ou fisícos... Nunca deixem de se amar, acreditar e respeitar e tenham sempre coragem para dizer basta e seguirem em frente! A Vida merece ser vivida e não sofrida... Não desistam nunca de lutar por dias melhores. Ás vezes pensamos que isto não acontece a quem conhecemos ou em certos estratos sociais ou a pessoas com grande instrução; mas estamos tão enganados...
Esta estória poderia se passar connosco, com um vizinho, uma amiga, uma filha de um casal conhecido, com um membro da família...Tão perto de nós...
E indago-me, quantas vezes somos abusivos com quem dizemos que mais gostamos???

5 comentários:

Pitucha disse...

Que história deprimente!
É, tantas vezes achamos que os outros é que são felizes e nem suspeitamos o que vai dentro de portas...
Beijos

bia di sal disse...

Podes crer, por isso resolvi escrevê-la...porque achamos sempre que nunca se passa na nossa esfera de relacionamentos.
Beijos

asdrubal tudo bem disse...

voltaste em grande.

bia di sal disse...

Asdrubal, obrigado pelas tuas palavras!
Um abraço

NoKas disse...

E o que fazer quando estamos de fora, percebemos o que vai por dentro? Como ajudar os amigos? Sem tomar decisões por eles.... a mim também me custa ver as pessoas deixarem-se ir, porque sim, porque supostamente gostam da pessoa abusiva, porque não têm força própria.... porque o medo de ficar sozinho é maior do que a força de vontade... Espero que se algum dia estiver numa destas situações alguém esteja por perto e me dê um berro poara eu acordar!