Tinha prometido a mim mesma não dizer nada em público sobre este assunto. Mas vou faltar à palavra que dei a mim mesma; desculpem-me mas é mais forte do que eu...
Foram meses de leituras de textos prolixos nesta matéria; foram teorias metafisícas e religiosas que foram sucedendo, primeiro calmamente e depois vociferadas em jeito de admoestação e quasi excomunhão...
Foram gráficos, imagens sangrentas, artigos e peças jornalisticas, debates políticos com aulas de gramática e interpretação portuguesa.Cartazes aviltantes. Páginas e páginas na blogoesfera. Conversas acesas em restaurantes e cafés.Houve de tudo.
Houvesse tanta participação e debate na nossa sociedade sobre tantas outras matérias e não teríamos problemas de abstenção e défice democrático. Ou teríamos uma causa para uma guerra civil... São muitas as familías divididas. Como a minha em Portugal por exemplo. Sei que é uma questão do foro intímo de cada pessoa pois mexe com as suas convicções mais profundas e por isso mesmo acho que se há momentos em que devemos expressar a nossa opinião em matérias que são legisladas, este é um deles.
Assim, depois de assistir e participar em algumas destas discussões, pergunto-me sempre:
Se fosse eu?
Quereria ter o estigma social para além da minha consciência? Quereria não poder ir a uma cliníca e ter que recorrer a uma amiga que conhece quem conhece que faz numa salinha qualquer 'esse acto chamado aborto', e que depois de ser feito, queremos esquecer até a morada e nem queremos recordar a cara de quem nos falou em cima da marquesa? Com voz doce ou seca e àspera? Tanto faz.
Pagar, esquecer, e ir embora esse é o lema.Agarradas à barriga. Mortas por dentro.
Queremos ir embora com vergonha de termos tido aquele momento na nossa vida. Com tristeza de termos tido sózinhas que passar por aquilo. Mesmo que tenhamos gente à nossa espera lá fora. Mas é isso é lá fora. Porque dentro de nós não temos mais nada.Estamos vazias.
Mas mesmo assim aquela era a única solução viável naquele contexto. Apesar da dor.Que não se sabe se passará das entranhas para a alma.
Essa dor existe quer se faça uma IVG numa clinica ou numa sala qualquer ou num vão de escada...
Essa dor existe no momento em que ao saber-se grávida a mulher não corre de felicidade para o pai da criança para partilhar essa alegria...
Essa dor existe quando se é rejeitada pelo companheiro, quando este não lhe diz coisas piores...
Essa dor existe quando se é rejeitada pela familía...
Essa dor existe quando se sabe que se tem outras bocas para sustentar e que uma a mais a fará perder o emprego e ficar sem poder dar de comer aos filhos que já existem...
Essa dor existe quando se fica grávida aos 15 ou 16 anos sem saber muito bem como pois não se teve um acompanhamento sexual informativo e nos fiámos no que as amigas dizem...e depois sofremos as consequências e não se pode ir contar àas tais amigas...
Nao se tem dôr quando de ânimo leve se faz um aborto. Não se tem dôr quando nem se equaciona a hipótese de ter-se esse filho. Não são estas as pessoas afectadas por este referendo. O voto do Sim ou do Não afecta apenas aquelas pessoas que pensam como seria a vida delas se pudessem ter esse bebé...
E é nessas pessoas que temos que pensar. Sim, é duro discutir se a vida da mulher vale mais do que a de um ser que não é tido nem achado nessa conversa.
Mas infelizmente quer queiramos, quer não, nenhum bébé que nasce é ouvido para expôr as suas ideias. A nenhum se pergunta se passou uma gravidez tranquila com amor ou não...Quando são maltratados e abusados não são ouvidos nem tiveram voto na matéria. Quando são abandonados , não tiveram voto na matéria. Quando são dados para adopção também não tiveram voto na matéria. Quando andam aos empurrões de casa em casa, quando os pais não se entendem e quem paga são os filhos também não são ouvidos...
Tudo isto está mal. Mas este é o Mundo que temos e em que vivemos. Um mundo hipócrita e que tem dois pesos e duas medidas.
Eu tenho a certeza que quem fica grávida, sabe desde logo se tem vontade ou não de ser mãe. Se tem dúvidas se o pode ter, pensa e repensa dia e noite sobre o assunto. Sofre com esse dilema ininterruptamente. Chora lágrimas de sangue por saber que não vai poder ter esse filho. Ou chora lágrimas de sangue porque vai tê-lo e sabe o que a espera. Qualquer que seja a decisão, é a sua razão. E depois de tomada a decisão, sei de quem em plena bancada para fazer a IVG tenha desistido e sei de quem tenha continuado e sofrido muito com essa decisão. E sofra ainda. Mas quem tem que fazer faz e quem não admite essa possibilidade não o fará em circunstância alguma.
Quem admite que em certas circunstâncias o poderia fazer não tem a meu ver legitimidade para dizer que é pelo Não.
Eu sou cristã e não tenho medo de assumir esta minha decisão diante de Deus. Os meus actos todos sem excepção e os meus pensamentos todos sem excepção serão avaliados à luz do Amor que Ele nos dá.
Quem nunca se viu numa situação de desespero e quem nunca cometeu um acto grave de que se arrependa é um Felizardo.
Eu vou a Lisboa por estas mulheres. Eu não posso ter filhos, mas já estive grávida. Eu quero adoptar uma menina. Eu adoro crianças. Eu odeio quem maltrata e abusa de crianças.
Mas eu respeito quem decide que em determinado momento da sua vida não pode dar à luz um bebé e que tem que interromper essa gravidez.E gostaria que essas mulheres possam ter um aconselhamento para decidir em consciência e com cuidados médicos o que fazer.
Eu sou contra o aborto clandestino liberalizado a encher os bolsos de quem não declara estes rendimentos...
Eu sou a favor da despenalização da IVG e da sua realização a pedido da mulher dentro das 10 semanas de gestação, a ser realizado numa clinica autorizada, depois de ter-lhe sido dado um apoio e aconselhamento psicológico.
Eu sou a favor de crianças felizes.
Nota: Por favor desculpem-me se magôo alguém nas suas convicções mais profundas. Não foi essa a minha intenção.