terça-feira, fevereiro 06, 2007

O Referendo de 11 de Fevereiro

Tinha prometido a mim mesma não dizer nada em público sobre este assunto. Mas vou faltar à palavra que dei a mim mesma; desculpem-me mas é mais forte do que eu...

Foram meses de leituras de textos prolixos nesta matéria; foram teorias metafisícas e religiosas que foram sucedendo, primeiro calmamente e depois vociferadas em jeito de admoestação e quasi excomunhão...

Foram gráficos, imagens sangrentas, artigos e peças jornalisticas, debates políticos com aulas de gramática e interpretação portuguesa.Cartazes aviltantes. Páginas e páginas na blogoesfera. Conversas acesas em restaurantes e cafés.Houve de tudo.

Houvesse tanta participação e debate na nossa sociedade sobre tantas outras matérias e não teríamos problemas de abstenção e défice democrático. Ou teríamos uma causa para uma guerra civil... São muitas as familías divididas. Como a minha em Portugal por exemplo. Sei que é uma questão do foro intímo de cada pessoa pois mexe com as suas convicções mais profundas e por isso mesmo acho que se há momentos em que devemos expressar a nossa opinião em matérias que são legisladas, este é um deles.

Assim, depois de assistir e participar em algumas destas discussões, pergunto-me sempre:

Se fosse eu?

Quereria ter o estigma social para além da minha consciência? Quereria não poder ir a uma cliníca e ter que recorrer a uma amiga que conhece quem conhece que faz numa salinha qualquer 'esse acto chamado aborto', e que depois de ser feito, queremos esquecer até a morada e nem queremos recordar a cara de quem nos falou em cima da marquesa? Com voz doce ou seca e àspera? Tanto faz.

Pagar, esquecer, e ir embora esse é o lema.Agarradas à barriga. Mortas por dentro.

Queremos ir embora com vergonha de termos tido aquele momento na nossa vida. Com tristeza de termos tido sózinhas que passar por aquilo. Mesmo que tenhamos gente à nossa espera lá fora. Mas é isso é lá fora. Porque dentro de nós não temos mais nada.Estamos vazias.

Mas mesmo assim aquela era a única solução viável naquele contexto. Apesar da dor.Que não se sabe se passará das entranhas para a alma.

Essa dor existe quer se faça uma IVG numa clinica ou numa sala qualquer ou num vão de escada...
Essa dor existe no momento em que ao saber-se grávida a mulher não corre de felicidade para o pai da criança para partilhar essa alegria...
Essa dor existe quando se é rejeitada pelo companheiro, quando este não lhe diz coisas piores...
Essa dor existe quando se é rejeitada pela familía...
Essa dor existe quando se sabe que se tem outras bocas para sustentar e que uma a mais a fará perder o emprego e ficar sem poder dar de comer aos filhos que já existem...
Essa dor existe quando se fica grávida aos 15 ou 16 anos sem saber muito bem como pois não se teve um acompanhamento sexual informativo e nos fiámos no que as amigas dizem...e depois sofremos as consequências e não se pode ir contar àas tais amigas...

Nao se tem dôr quando de ânimo leve se faz um aborto. Não se tem dôr quando nem se equaciona a hipótese de ter-se esse filho. Não são estas as pessoas afectadas por este referendo. O voto do Sim ou do Não afecta apenas aquelas pessoas que pensam como seria a vida delas se pudessem ter esse bebé...

E é nessas pessoas que temos que pensar. Sim, é duro discutir se a vida da mulher vale mais do que a de um ser que não é tido nem achado nessa conversa.

Mas infelizmente quer queiramos, quer não, nenhum bébé que nasce é ouvido para expôr as suas ideias. A nenhum se pergunta se passou uma gravidez tranquila com amor ou não...Quando são maltratados e abusados não são ouvidos nem tiveram voto na matéria. Quando são abandonados , não tiveram voto na matéria. Quando são dados para adopção também não tiveram voto na matéria. Quando andam aos empurrões de casa em casa, quando os pais não se entendem e quem paga são os filhos também não são ouvidos...
Tudo isto está mal. Mas este é o Mundo que temos e em que vivemos. Um mundo hipócrita e que tem dois pesos e duas medidas.

Eu tenho a certeza que quem fica grávida, sabe desde logo se tem vontade ou não de ser mãe. Se tem dúvidas se o pode ter, pensa e repensa dia e noite sobre o assunto. Sofre com esse dilema ininterruptamente. Chora lágrimas de sangue por saber que não vai poder ter esse filho. Ou chora lágrimas de sangue porque vai tê-lo e sabe o que a espera. Qualquer que seja a decisão, é a sua razão. E depois de tomada a decisão, sei de quem em plena bancada para fazer a IVG tenha desistido e sei de quem tenha continuado e sofrido muito com essa decisão. E sofra ainda. Mas quem tem que fazer faz e quem não admite essa possibilidade não o fará em circunstância alguma.

Quem admite que em certas circunstâncias o poderia fazer não tem a meu ver legitimidade para dizer que é pelo Não.

Eu sou cristã e não tenho medo de assumir esta minha decisão diante de Deus. Os meus actos todos sem excepção e os meus pensamentos todos sem excepção serão avaliados à luz do Amor que Ele nos dá.

Quem nunca se viu numa situação de desespero e quem nunca cometeu um acto grave de que se arrependa é um Felizardo.

Eu vou a Lisboa por estas mulheres. Eu não posso ter filhos, mas já estive grávida. Eu quero adoptar uma menina. Eu adoro crianças. Eu odeio quem maltrata e abusa de crianças.

Mas eu respeito quem decide que em determinado momento da sua vida não pode dar à luz um bebé e que tem que interromper essa gravidez.E gostaria que essas mulheres possam ter um aconselhamento para decidir em consciência e com cuidados médicos o que fazer.

Eu sou contra o aborto clandestino liberalizado a encher os bolsos de quem não declara estes rendimentos...

Eu sou a favor da despenalização da IVG e da sua realização a pedido da mulher dentro das 10 semanas de gestação, a ser realizado numa clinica autorizada, depois de ter-lhe sido dado um apoio e aconselhamento psicológico.

Eu sou a favor de crianças felizes.

Nota: Por favor desculpem-me se magôo alguém nas suas convicções mais profundas. Não foi essa a minha intenção.

8 comentários:

asdrubal tudo bem disse...

De tanta coisa que tenho lido e ouvido sobre este assunto este é sem dúvida um dos melhores textos. e estou à vontade para te dizer isto pois ainda não decidi como votar. é que se por um lado concordo com tudo o que disseste por poutro lado temo que se banalise o aborto de tal maneira que haja muitas mulheres a usarem-no como método anticoncepcional. Isto para não falar no facto de esta ser uma forma de o estado uma vez mais não cumprir o seu papel de educar e informar...

bia di sal disse...

Asdrubal, obrigado pelas tuas palavras. Não procuro com as minhas palavras induzir opiniões; procuro apenas dizer o que sinto e penso como mulher.
E é nesta qualidade individual que te digo; eu nunca usaria o aborto como método anticoncepcional mas ele existiu sempre como solução para uma realidade que não podemos ter na nossa vida. Lamento ter que dizer que claro que haverá sempre quem sem escrupúlos possa ser capaz fazer qualquer coisa. Não são esses que contam ou essas. São as outras; aquelas que mortificadas com o não terem alternativa ou ajuda para pensarem numa alternativa recorrem a soluções com menos controlo e sem qualquer tipo de aconselhamento.
Estou completamente de acordo que muito mais se podia fazer ao nível da informação, planeamento e educação de rapazes e raparigas, homens e mulheres. Quase 10 anos passaram desde a última discussão e não vejo progressos a este nível...
Mas eu acredito convictamente que quem o quiser fazer vai sempre fazer; as que têm dinheiro vão ao estrangeiro; as que não o têm resignar-se-ão às condições possíveis, umas melhores outras piores. É este o risco da situação se manter como está. Sim, porque se as mulheres que tiveram que fazer uma IVG fossem para a prisão, metade das mulheres portuguesas iria ou já teria ido para a prisão.
Acredita que nenhuma MULHER como deve de ser e com dois dedos de testa usará o aborto como método anti-concepcional...
Beijos

NoKas disse...

Bia di Sal!!!!!!!!!!

Uma beijoca enormeeeeeeee para ti! E com direito a abraço! :)

Bom, passado o momento das lamenchices, ainda bem que podes ir votar! Fico triste de eu não conseguir votar! Irrita-me a passividade das informações do consulado: "desculpe minha senhora, mas não está previsto na lei...." Muita malta tentou saber infoamções, queriamos votar, mas por estarmos recenceados cá não temos "direito" a participar nas decisões do nosso país. Este é um assunto importante! Demasiado importante para nos deixarem de fora. Uma pena!

Bom, vota por mim! Tenho que ligar para minha casa e para a malta tuga da terrinha a pedir para todos participarem!!!!!!!!!! De acordo com as suas consciências, claro! Mas ao menos que o façam!

Mais uma vez uma beijoca!

bia di sal disse...

Olá Nokas,
De facto hà 8 anos quase que por estas terras ando mas só estou inscrita na Embaixada e nunca me recenseei pois os emigrantes não têm os mesmos direitos civícos , o que me parece escandaloso!!!
Por isso lá vou à Pátria pois a minha consciência assim o exige.
Beijos grandes e temos que nos ver em breve!

Pirilampa Assassina disse...

O meu voto está contigo! Finalmente vejo um texto como deve ser sobre este assunto!
Tb tenho pena de não poder ir a Pt votar. Isto deve ser um complot dos apoiantes do não para ganharem...

Power to the people!!!
Power to the people!!!
Power to the people!!!

Sofia C. disse...

Bia de Sal,

Este será provavelmente o melhor texto que li sobre a despenalização da IVG. Um beijinho,Sofia SIM,SIM,SIM!

bia di sal disse...

Pirilampa,
O power sempre foi do people, nós é que nos esquecemos de utilizá-lo comme il faut et surtout quand il faut...
Beijos

bia di sal disse...

S de Sofia, S de Simpatia, S de Sorrisos, S de Solidariedade e finalmente S de Sophia ou seja S de Sabedoria...SIM SIM SIM
Beijos grandes e volta sempre